Outro dia eu tomei coragem e abri algumas gavetas e caixas
antigas.
Eu subi numa cadeira e afastei as outras coisas da frente
para travar contato com aquele material
há muito tempo esquecido. Peguei de lá uma caixa com uma estampa floral,
provavelmente herdada de minha mãe e ajeitei sobre a cama.
Durante alguns instantes eu não me senti mais corajoso, e
sim frágil, como se aquilo tudo pudesse transformar o meu momento presente.
Então eu observei a caixa, passei a mão de leve sobre o papelão,
e percebi pequenas dobras nos cantos da caixa. As flores em tom bege,
envelheciam ainda mais minhas lembranças encaixotadas.
Eu já não precisava mais abri-la, porque as histórias
começaram a vir em minha mente através do tato. Minhas mãos agora me contavam
histórias, histórias muito bonitas, engraçadas e muitas tristes também, tudo
aparecia na pele.
Eu decidi levantar a tampa e me deparei com um antigo
envelope, branco, escrito meu nome, com uma letra que já foi minha, bem na
frente. A tinta preta da caneta não dava bola ao tempo e continuava lá, firme,
me convidando, ou melhor, me obrigando a abrir aquele envelope.
Eu o tomei nas mãos e abri.
Entre recados de amigos adolescentes, embalagens de produtos
simples e pequenos apetrechos como uma pedra sorrindo, um jornal com a manchete
do meu time de coração e um pequeno carrinho vermelho de brinquedo, eu
encontrei uma foto da pessoa que eu esqueci ter amado.
Daquele que não me fugia da cabeça, mas que agora eu lutava
para lembrar seu nome.
Uma garota jovem de aproximadamente 12 anos, estava em minha
frente, bastante amassada, pois, apesar da mente não se lembrar de pouco, o
coração e minhas mãos se lembravam de muito.
Muitas foram as noites em que dormi abraçado aquela foto,
trazendo aquele sorriso de encontro ao peito.
Me lembrei de ainda menino, tentar esconder de minha irmã
aquela poesia fotográfica, e ela sem o menor tino pra irmã mais velha me expor
pra toda a família no almoço de domingo.
Ainda assim , eu recuperei a foto, e fazia disso meu
amuleto, e passei a colocá-la na gaveta de camisetas, embaixo de tudo, para que
todo dia de manhã antes de vestir-me, eu pudesse fazer minha adoração naquele
santuário improvisado.
Acho que a burra da maturidade começou a chegar junto com a
pressa e eu parei de venerar aquela foto, comecei a perde-la.
Eu não me lembro do dia exato em que aquela foto já não me
pertencia mais.
Em que momento as lembranças deixaram de fazer parte?
Tudo se transformou daquele dia em diante. Daquele dia em
que não sei a data, tudo foi diferente, eu abri lugar para novas fotos, novas
adorações, mas essa foto, a primeira ainda restava lá.