segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Sobre Elias


E quando tudo parecia normal ele decidiu olhar pra trás. Se deparou com um passado imenso.

Se deparou com uma gravatinha de cartolina confeccionada por ele aos 7 anos de idade, como presente de Dia dos Pais, com os dizeres: “Apesar de tudo, Eu te amo. Elias”

Se deparou com o antigo ferro de passar e com as chicotadas recebidas com o fio e a tomada de 3 pontas.
Se deparou com o estojo de maquiagem de sua mãe e com todas as vezes que cruzou o olhar com ela através do espelho enquanto ela escondia os vergões no canto da face e no braço esquerdo, o favorito dele.

Se deparou com os silêncios durante os jantares em família e as caras de nojo que vez ou outra ele fazia pra comida preparada por ela.

Se deparou também com o antigo chinelo “Rider” e marcas nas costas e  atrás do pescoço deixadas por ele toda vez que que brigava na escola e apanhava dos outros. Era a surra sobre a surra, a pancada sobre a pancada. Se lembrou de que apanhar duas vezes era pior que uma só.
Então, se lembrou de quando aprendeu a bater, de quando aprendeu a usar sua força sem motivos. Só pra não levar duas vezes.

De quando passou a ser temido na escola por todos os garotos e que as garotas também começaram a se afastar.

Começou a se confundir com isso tudo, pois não queria seguir os passos do velho, apesar de ter pegado gosto pelo cigarro e pela cachaça.

Lembrou dos ruídos vindos do quarto ao lado.

De como gostava de perceber os corpos femininos e de como as formas o excitavam, as curvas nos corpos e o volume dos seios foram o estimulo para muitas masturbações e desejos na hora de dormir.

Lembrou dos beijos e carícias trocadas com Elisa e da promessa do encontro na cidade grande.

Lembrou de planos que fez para fugir dali com seu grande amigo Levi, na sombra de um pé de limão e na mesma hora uma lágrima correu pelo seu rosto, caindo no chão de terra batida e escorrendo para o Centro da Terra. 

Nessa hora sentiu seu calcanhar ser invadido por uma luz quente e no momento em que essa luz, atravessando seu corpo, tocou seu coração ele caiu sobre a terra de joelhos, chorando muito.

Levou suas mãos ao peito e se deu conta de que tinha pouco tempo de vida, pois estava no dia de seus anos.

Estava fazendo cinquenta.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

médico

Alguém, por favor chame um médico!

Um médico de coração. É que eu estou doente.

Rápido, um médico aqui!

Tem que entender de coração, um especialista se possível.
Alguém que saiba cuidar bem do coração. Do meu coração.

Eu não quero um cardiologista, eles não entendem nada! Eu quero um médico que cure dor e não doença.

Mas tem que ser rápido! Eu não sei se eu vou aguentar....

As vezes a dor dói mais que doença. Tem doença que nem dói.
Mas meu coração dói muito.

Rápido! Se mexe, faz alguma coisa... Chama logo!
Disca o número. O número certo... só tem um!

Não demora... ele tá fraco...

Não sei se eu consigo explicar os sintomas...

Isso que eu sinto é agudo, é uma dor que toma o corpo e a mente... mas ela começa no coração.

Agora eu entendo quando dizem que o coração é o centro da vida.

Eu tô sem centro... eu tô sem vida.

Um médico de coração aqui!! Pelo amor de Deus!

Eu tô com o coração na mão. pulsando. Preciso engolir ele de novo e deixar ele no peito. Alimentando meu corpo.

 É difícil respirar sem coração. eu não consigo... mas....preciso.... esperar.

Só cuidando dele mesmo pra sarar. recuperar.

O coração não se regenera sabia?
eu aprendi isso, não igual estrela do mar. Não nasce outra parte no lugar, ele tem que ser cuidado.

 Já tá vindo??

Que bom, porque eu sinto... e ainda pulsa.





sexta-feira, 14 de junho de 2013

encaixe


Onde é que eu me encaixo?

Eu não sou como os outros amigos que se animam de ir na passeata. Que tem um impeto de estar lá compondo aquele enorme coro. Isso não está em mim, e não é uma questão de ser contra, ou de analfabetismo politico, não, é uma questão real e particular, ISSO NÃO ESTÁ EM MIM. 
Eu podia ir até lá e mostrar minha opinião pedindo a paz e a justiça na rua da consolação. Mas seria mentira comigo mesmo, eu viraria uma fraude. 

Usando um termo conhecido, eu seria “massa de manobra”. Estaria lá só pra me representar enquanto cidadão paulistano.
Mas eu de fato não sinto esse desejo de estar lá.

Aí eu me pergunto se é uma questão de desejo ou de necessidade, e a realidade é que a resposta eu não sei… Não sei mesmo. 

Eu não teria que me sentir motivado a estar lá no meio, pra estar lá no meio?

Ou eu tenho que parar de olhar pra mim e olhar pra cidade e dar voz a tudo isso?
Onde entra a minha individualidade nisso? Eu não sei a resposta.
Eu não consigo pensar.

Sou contra essa polícia militar nojenta, que está enraizada nos tempos da ditadura, sou contra as bombas, contra os tiros.
Sobre isso não me resta dúvida.
Sou também contra o aumento da passagem, mas isso aqui não está mais em jogo está? É por isso que se grita, pelos 20? não. Tenho certeza que não.

Acho que a juventude agora entendeu o seu papel, saiu do plano virtual, das redes sociais e foi… não foi a luta, foi a paz… saindo de suas casas e ocupando as ruas. Disso eu sou a favor.

Mas continuo em casa. Por que?

?

Mas veja só, apesar de ser contra e ter vergonha da polícia militar, eu preferi escrever esse texto, eu preferi atirar palavras contra o papel e mesmo insone organizar o que eu sinto agora, porque isso eu nunca senti, esse incômodo por não saber onde me encaixar.

Eu sou artista, isso eu já sou, não dá pra não ser… aí fica uma cobrança de que sendo um artista eu devia estar na rua pedindo essa justiça, mas sendo artista também eu não posso encontrar uma maneira artística de me expressar e dar voz a minha experiência, com algo que de fato me represente?
Entendo que esse ato de ocupação das avenidas e ruas da cidade diz muito do teatro, é um grande ato, e fazer parte dele fisicamente me daria outra dimensão da coisa. Mas a questão tem que passar por mim, pela minha experiência.

Porque a minha experiência não está ligada a isso. Não está ligada a protestos, a revoltas, a movimentos políticos, a greves, não, a minha não.

A minha experiência está ligada a família, a risadas com amigos, torcer pelo São Paulo, conversas sobre o dia, idas ao cinema... Está ligada a um homem e uma mulher que nada se interessavam por isso e começaram a namorar, enquanto no país a ditadura estava pegando… 

O namoro corria normalmente, e a ditadura também… Mas ao que sei, em mundo paralelos.
O namoro evoluiu, a ditadura também.
Desse casamento, eu vim. e da ditadura, veio 13 de junho de 2013.

O teatro é a minha rua. 
e é de lá que eu falo, que eu brigo, que eu apoio.

domingo, 16 de dezembro de 2012

na mão

Oi. Eu disse.
Oi. Ela respondeu.
fizemos silêncio.

é bom fazer silêncio junto com você. Eu disse.
Ela sorriu.
Eu sorri.
                                                                          Continuamos em  silêncio.

Eu peguei na mão dela.

Você gosta de entrelaçar os dedos das mãos? eu perguntei.

Eu gosto. Ela disse.

Eu gosto de medir a palma da mão. Ela disse.

Eu gosto de colocar a mão pra fora da janela do carro na estrada. Eu disse.

Eu gosto de olhar a luz do sol atravessar os dedos bem abertos da mão. Ela disse.

Eu gosto de passar um pouco de cola na mão, esperar secar e depois ir tirando devagarinho. Eu disse.

Eu gosto de passar a mão sobre texturas diferentes. Ela disse.

Eu gosto da sua mão. Ela disse.

Eu sorri e entrelacei os dedos com ela.

Fizemos silêncio.


Você quer um sorvete?  Eu perguntei.
Ela sorriu.


                                                       





sábado, 27 de outubro de 2012

Não pensa que é pra você

Mas eu te amo

um tanto, que é maior que a árvore mais antiga e de um jeito mais bonito que aquela canção do Roberto.


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

memória


Outro dia eu tomei coragem e abri algumas gavetas e caixas antigas.
Eu subi numa cadeira e afastei as outras coisas da frente para travar contato com aquele material  há muito tempo esquecido. Peguei de lá uma caixa com uma estampa floral, provavelmente herdada de minha mãe e ajeitei sobre a cama.

Durante alguns instantes eu não me senti mais corajoso, e sim frágil, como se aquilo tudo pudesse transformar o meu momento presente.

Então eu observei a caixa, passei a mão de leve sobre o papelão, e percebi pequenas dobras nos cantos da caixa. As flores em tom bege, envelheciam ainda mais minhas lembranças encaixotadas.

Eu já não precisava mais abri-la, porque as histórias começaram a vir em minha mente através do tato. Minhas mãos agora me contavam histórias, histórias muito bonitas, engraçadas e muitas tristes também, tudo aparecia na pele.

Eu decidi levantar a tampa e me deparei com um antigo envelope, branco, escrito meu nome, com uma letra que já foi minha, bem na frente. A tinta preta da caneta não dava bola ao tempo e continuava lá, firme, me convidando, ou melhor, me obrigando a abrir aquele envelope.

Eu o tomei nas mãos e abri.

Entre recados de amigos adolescentes, embalagens de produtos simples e pequenos apetrechos como uma pedra sorrindo, um jornal com a manchete do meu time de coração e um pequeno carrinho vermelho de brinquedo, eu encontrei uma foto da pessoa que eu esqueci ter amado.
Daquele que não me fugia da cabeça, mas que agora eu lutava para lembrar seu nome.

Uma garota jovem de aproximadamente 12 anos, estava em minha frente, bastante amassada, pois, apesar da mente não se lembrar de pouco, o coração e minhas mãos se lembravam de muito.
Muitas foram as noites em que dormi abraçado aquela foto, trazendo aquele sorriso de encontro ao peito.

Me lembrei de ainda menino, tentar esconder de minha irmã aquela poesia fotográfica, e ela sem o menor tino pra irmã mais velha me expor pra toda a família no almoço de domingo.
Ainda assim , eu recuperei a foto, e fazia disso meu amuleto, e passei a colocá-la na gaveta de camisetas, embaixo de tudo, para que todo dia de manhã antes de vestir-me, eu pudesse fazer minha adoração naquele santuário improvisado.

Acho que a burra da maturidade começou a chegar junto com a pressa e eu parei de venerar aquela foto, comecei a perde-la.

Eu não me lembro do dia exato em que aquela foto já não me pertencia mais.

 Em que momento as lembranças deixaram de fazer parte?

Tudo se transformou daquele dia em diante. Daquele dia em que não sei a data, tudo foi diferente, eu abri lugar para novas fotos, novas adorações, mas essa foto, a primeira ainda restava lá.

Eu, quase me sentindo envergonhado, talvez pela última vez, fechei meus olhos e apertei aquele sorriso outra vez contra meu peito.  A felicidade foi imensa.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Carta

Jéssica,
você ainda não sabe muito bem quem sou eu... Na verdade, você nem sabe que eu existo, o que por um lado é bom, porque eu posso mostrar o melhor de mim pra você, eu posso me conhecer melhor e ficar guardando um monte de coisas legais pra quando você chegar, por outro é ruim, porque é uma espera longa... sabe aqueles momentos que você fica andando de um lado pro outro e não sabe o que fazer com as mãos? É isso, só que por dentro!

Desde que fiquei sabendo que você viria, eu tenho pensado muito em você, e pensado no que vamos fazer juntos, onde posso te levar, o que posso te apresentar, e mesmo você tendo avisado com quase 9 meses de antecedência que viria, o tempo parece curto pra arrumar tudo, talvez porque a busca seja pela perfeição... Mas eu aposto uma pizza com você que você nem vai ligar pra isso tudo, a gente é que é besta... Adultos são assim, então aprenda logo, ou melhor nos ensine logo!
É claro que você vai gostar de tudo o que te espera, (aposto outra pizza com isso), porque tem uma mulher, que eu chamo de Nath, Nathalia, Na, mas você vai chamar de outra coisa... ela é bem da caprichosa sabe, cuida de tudo... e junto com ela tem o Gu, que eu chamo de vários apelidos e nome diferentes também, mas que provavelmente não servirão pra você...esse também tem um coração enorme e juntos eles vão cuidar tanto de você, que será impossível não gostar!

Você vai entender todas essas coisas muito antes de aprender a ler todas essas palavras, mas escrevendo a gente tenta registrar a emoção do momento, escolhendo as melhores palavras e tentando com isso congelar as sensações.

Hoje tive uma sensação muito boa, descobri que eu vou ser seu padrinho, é isso mesmo, PA-DRI-NHO.

Pra você entender melhor:

Padrinho é o cara legal, aquele que leva a gente pra lugares divertidos, que conta histórias legais, que ensina um monte de coisa pra gente e ainda paga um sorvete de duas bolas com cobertura!

Pois é, eu sou esse cara agora!

Até já!
Um beijo.
V.